Vagas pedem experiência e oferecem menos supervisão a estudantes.
De principal porta de entrada no mercado de trabalho, o estágio se tornou um obstáculo à formação de jovens que hoje encontram menos oportunidades e um grau de exigência mais elevado para contratação. Segundo especialistas em recursos humanos, a crise econômica fez crescer os casos de empresas que ignoram a finalidade principal do estágio.
No lugar de uma experiência prática supervisionada que contribui para a formação profissional, os alunos — vistos muitas vezes como fonte de mão de obra barata — são alocados em postos essenciais, independentemente da área de estudo. Há empresas que já exigem conhecimento aprofundado de uma segunda língua e experiência para estudantes que ainda não concluíram nem mesmo o ensino médio.
— Quando fiz meu estágio tinha supervisor autorizado compatível com a faculdade que estava cursando, tinha um programa a ser cumprido e executava tarefas que tinham relação com meu aprendizado. Hoje, vejo algumas empresas desviando os jovens de sua formação. Contratam estagiários para atendimento telefônico, captação de clientes, recepção e alegam que o estudante vai aprender a “lidar com o público”. Pelo amor de Deus, isso não é estágio — observa o psicólogo e presidente da diretoria executiva da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Rio (ABRH-RJ), Paulo Sardinha.
Cláudia da Cruz, orientadora educacional e coordenadora de estágio da Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec) diz que alguns empregadores têm dificuldade de entender que o estagiário está em processo de formação, é alguém que precisa ser auxiliado, supervisionado e ter dúvidas esclarecidas:
— Ele não é um funcionário ou técnico pronto, e a empresa tem papel importante nesse processo de formação.
Ela relata casos de empresas que diminuíram a contratação de estagiários justamente pela necessidade de ter funcionários disponíveis para treinamento e orientação.
— Nesse processo de enxugamento, atendi alunos no setor de estágio que foram dispensados por causa da necessidade de serem acompanhados. A empresa fica só com um técnico, que não precisa supervisionar ninguém — observa Cláudia.
Menor oferta de vagas no Rio
De acordo com o Centro de Integração Empresa-Escola do Rio (CIEE), só entre 2015 e 2016 o número de vagas abertas de estágio na capital caiu de 32 mil para 28,6 mil e o número de estagiários em todo o estado encolheu de quase 30 mil em dezembro de 2015 para 28,4 mil um ano depois.
São obstáculos sentidos na pele por estudantes como Ayrton Sena de Oliveira, de 20 anos, Moisés Gustavo Garcia Prudente, de 19, e Larissa Santana Neves, de 17 anos. Nem mesmo a opção pela preparação técnica no ensino médio tem facilitado a entrada no mercado de trabalho. Prestes a concluir os estudos — Ayrton e Larissa em eletrônica e Moisés em telecomunicações — eles ainda estão correndo atrás.
— Vivo com a minha mãe, que está desempregada. Como sou a única pessoa dentro de casa que tem experiência e quase o ensino médio completo, tenho mais chances de arranjar um emprego e posso conseguir a renda que nos falta. Mas tenho percebido que há poucas vagas — conta Ayrton.
Moisés também precisa auxiliar a família:
— Não tenho o objetivo de ficar rico, mas de ajudar minha mãe e meu irmão, que perderam o emprego. Espero que pessoas de grande escalão estejam dispostas a dar uma oportunidade a quem talvez não tenha a experiência, mas teoria e um diploma comprovando que aplicou um esforço para estudar — pede Moisés.
Larissa reclama que muitas empresas têm pedido inglês intermediário, quando a realidade da maioria dos colegas não possibilita o investimento em um curso de línguas.
Daniela Fonseca, da gerência de Operações do CIEE Rio, diz que se recusa a intermediar contratações que exijam experiência do estudante.
— Pedir experiência é um absurdo. Depois, o mercado não olha para o estágio como experiência profissional, e o recém-formado não sai do lugar — completa Sardinha.