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Harvard Business Review

A natureza da liderança deve mudar quanto mais decisões a IA tomar

Atualizado: 22 de out. de 2019


É tentador considerar a inteligência artificial (IA) uma ameaça para a liderança humana. Afinal, o intento primordial da IA é aumentar, melhorar e, em última instância, substituir a inteligência humana, ainda amplamente vista, ao menos por nós humanos, como nossa principal vantagem competitiva. Não há motivo para acreditar que a liderança não será atingida pelo impacto da IA. De fato, é bastante provável que a IA irá suplantar muitos dos aspectos mais “rígidos” da liderança, isto é, as partes responsáveis pelo processamento cognitivo puro de fatos e informações. Concomitantemente, prevemos que a IA também fará com que uma ênfase maior seja dada aos elementos “flexíveis” da liderança — os traços de personalidade, atitudes e comportamentos que permitem às pessoas ajudar os outros a atingir um objetivo comum ou propósito compartilhado.

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Uma mudança de elementos rígidos de liderança para flexíveis não é exclusividade da era da IA. Estudos meta-analíticos avaliando 50 anos de pesquisas sugerem que traços de personalidade como curiosidade, extroversão e estabilidade emocional são duas vezes mais importantes do que o QI — a métrica padrão para a capacidade de raciocínio — quando se trata de prever a eficácia da liderança.

Mas até que ponto podemos confiar nas muitas décadas de estudos que procuraram definir qualidades, traços e atributos deste aspecto flexível da liderança? De um lado, a liderança evoluiu ao longo de milhares de anos e por isso seus princípios dificilmente mudarão. Por outro, não há como negar a influência poderosa que as mudanças ambientais podem ter na reconfiguração das capacidades e dos comportamentais cruciais que definirão líderes eficazes (e os inoperantes). Em algum ponto de nossa história, provavelmente com o advento da linguagem, a perspicácia da liderança passou de uma capacidade física para uma cognitiva, valorizando a inteligência e a expertise ao custo da força e do vigor. Do mesmo modo, pode-se esperar que a atual revolução da IA automatize e transforme em commodity o aspecto da liderança baseado em dados, delegando aos humanos os aspectos flexíveis da liderança. De maneira consistente, nossa pesquisa indica que em uma era de IA caracterizada por uma intensa ruptura e mudanças rápidas e incertas, é preciso repensar a essência da liderança eficaz. Certas qualidades, como um profundo domínio de um assunto, determinação, autoridade e concentração em tarefas de curta duração estão perdendo seu prestígio, ao passo que outras, como humildade, adaptabilidade, visão e envolvimento constantes provavelmente passarão a ter um papel fundamental em tipos mais ágeis de liderança. A seguir, apresentamos um olhar mais atento a estas competências.

Humildade. Em tempos de rápidas mudanças, ter ciência do que você não sabe é tão valioso quanto saber o que você domina. Infelizmente, líderes frequentemente são impedidos de aprender sobre novos desenvolvimentos por conta do intenso volume e variedade de novas informações que são coletadas diariamente. Líderes na era da IA precisam estar dispostos a aprender e abertos a procurar input tanto dentro como fora de suas organizações. Precisam ainda confiar nos outros para que venham a saber mais do que já sabem. Esse conhecimento pode muito bem vir de alguém 20 anos mais jovem ou três níveis abaixo na hierarquia da empresa. Na era da IA, um líder eficaz compreende que o fato de alguém possuir um status inferior ou ter menos experiência não quer dizer que não pode oferecer uma contribuição fundamental.

Empresas como a Nestlé implementaram extensos programas de mentoria reversa. Essas iniciativas procuram institucionalizar o processo de aprendizagem para que se aceite, se receba e se ganhe vantagem do conhecimento dos membros da equipe, colegas e funcionários em prol do negócio. Ser humilde pode soar inconsistente com a necessidade de se passar uma imagem de confiança e autoridade. Ainda assim, sempre houve uma relação frágil entre confiança e competência real, de tal modo que verdadeiros especialistas muitas vezes são mais humildes do que pessoas que possuem pouca ou nenhuma expertise. Como afirmou celebremente o filósofo britânico Bertrand Russel: “O problema do mundo é que os estúpidos estão cheios de certeza, enquanto os inteligentes, tomados pela dúvida”.

Adaptabilidade. Em nível organizacional, adaptabilidade significa estar pronto para inovar e reagir a oportunidades e ameaças conforme elas surgem. Em nível pessoal, quer dizer estar aberto a ideias novas, mudando de opinião mesmo quando isso machuca ou ameaça o ego de alguém, e ser capaz de efetivamente transmitir esse ponto de vista revisado para as partes envolvidas importantes, incluindo colegas, equipes e clientes. Na era da IA, mudar de ideia, algo que frequentemente pode ser visto como um sinal de fraqueza ou ausência de convicção, deve ser percebido como um ponto positivo quando melhora a tomada de decisão. Líderes adaptáveis não têm medo de se comprometer com um novo curso de ação quando a situação justificar, e sua adaptabilidade lhes permite enfrentar os desafios preocupados em aprender, não em ter razão.

Carlos Torres Vila, CEO do banco espanhol BBVA, supervisionou a transformação da empresa de um banco físico para uma das organizações de serviços financeiros mais bem-sucedidas da era digital. Ele reagiu à crise do setor fomentando uma cultura transformativa que encoraja agilidade, flexibilidade, trabalho colaborativo, espírito empreendedor e inovação.

Visão. Visão sempre desempenhou um papel importante na liderança efetiva. Mas na era da IA caracterizada pela tecnologia veloz e pela ruptura de modelos de negócio, uma visão precisa é ainda mais fundamental, pois há menos clareza entre adeptos, subordinados e empregados em relação ao caminho que deve ser seguido, ao que deve ser feito e às razões para isso. Líderes com uma visão clara têm respostas convincentes e significativas para tais perguntas e são mais competentes para comunicarem-nas de modo eficaz. Ademais, visão permite a um líder implementar transformações organizacionais necessárias sem ceder a interesses imediatos.

Muitos líderes de atuais gigantes digitais como Amazon, Tesla, Facebook, Tencent, Alibaba e Google têm visões claramente articuladas para suas empresas, mesmo perante a enormes incertezas de curto prazo.

Envolvimento. Por fim, para ser bem-sucedido na era da IA, um líder deve manter-se constantemente envolvido no ambiente que o circunda para que possa tanto estar em harmonia como se adaptar aos indícios e não aos barulhos — que irão ou ameaçar (sabotadores) ou apoiar (potenciais parceiros) sua visão. Líderes ágeis precisam estar envolvidos, mas também precisam encontrar maneiras para manter suas equipes envolvidas, especialmente quando a situação fica complicada e o caminho torna-se árduo.

O envolvimento na era da IA pode cada vez mais ser conquistado valendo-se de meios digitais. Por exemplo, a gigante alemã de e-commerce Zalando implementou uma série de ferramentas digitais para que executivos em cargos mais elevados não só apreendam mas também respondam a assuntos de interesse de todos os empregados. Estas incluem: zTalk, dispositivo de chat em tempo real; zLive, intranet social que engloba toda a empresa; zBeat, ferramenta que com frequência avalia os funcionários sobre seu atual trabalho e suas experiências.

Isso tudo indica que a liderança é radicalmente diferente na era da IA? Não, mas existem duas distinções fundamentais. Primeiro, as capacidades rígidas dos líderes continuarão a ser eclipsadas por máquinas inteligentes, ao passo que suas capacidades flexíveis se tornarão cada vez mais importantes. Segundo, enquanto características de liderança atemporais como integridade e inteligência emocional prosseguirão, sem dúvida, sendo importantes, líderes na era da IA precisam ser humildes acerca das contribuições dos demais, adaptáveis aos desafios que se apresentarão em seus caminhos, firmes em suas visões em relação ao destino final desses caminhos, e constantemente envolvidos no mundo em transformação que os cerca.

Tomas Chamorro-Premuzic é CEO da Hogan Assessments, professor de psicologia corporativa na University College London e na Columbia University, e membro do Harvard’s Entrepreneurial Finance Lab. Seu mais recente livro é The Talent Delusion: Why Data, Not Intuition, Is the Key to Unlocking Human Potential. Michael Wade, Ph.D, é professor de inovação e estratégia no IMD, onde ocupa a cátedra Cisco em Digital Business Transformation. Ele é o diretor do Global Center for Digital Business Transformation, uma iniciativa da Cisco e do IMD. Suas áreas de expertise englobam estratégia, inovação e transformação digital. Jennifer Jordan, Ph.D, é psicóloga social e professora de liderança e comportamento organizacional no IMD. Sua pesquisa centra-se em poder, ética, liderança e na intersecção desses tópicos.


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