Por mais que para algumas pessoas o WhatsApp seja visto mais como um “fardo” do que uma “solução”, para outras é inegável que, tanto para uso pessoal quanto profissional, o aplicativo de conversas é um grande facilitador. No uso corporativo, o app ajuda na comunicação com o cliente, auxilia na exibição de produtos e serviços e é uma ferramenta para líderes e liderados trocarem informações, arquivos, ideias, avisos e orientações em geral. Além disso, o WhatsApp corporativo permite que um perfil empresarial seja criado. Porém, na relação entre empregador e empregado, até que ponto o uso da plataforma é um recurso positivo e não um problema?
Em 2016, uma empregada doméstica de Campinas (SP), recebeu a seguinte mensagem por WhatsApp após cerca de um ano trabalhado na casa de seu patrão: “Bom dia. Você está demitida. Devolva as chaves e o cartão da minha casa. Receberá contato em breve para assinar os documentos”. Além da demissão, a funcionária foi posteriormente acusada de falsificar a assinatura no documento de rescisão. O “combo” a fez entrar na Justiça alegando ter sua dignidade e honra ofendidas, além de acusar o empregador de conduta abusiva no exercício de poder.
O caso foi recentemente julgado na 2ª Vara do Trabalho de Campinas e a empregada doméstica teve ganho de causa, com seu ex-patrão sendo condenado a pagar o equivalente a três salários da colaboradora. O empregador entrou com recurso alegando que não havia ilegalidade em dispensar a profissional pelo aplicativo, porém a condenação foi mantida. Consequentemente, o caso levantou o questionamento: é ilegal dispensar um funcionário por WhatsApp ou por qualquer outro método remoto? Para a Dra. Sônia Ramires, especialista em Direito do Trabalho, alguns pontos precisam ser separados e esclarecidos.
O problema não está no aplicativo, mas no conteúdo
Recentemente, um outro caso envolvendo o WhatsApp foi parar na Justiça. O TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região), que atua por 46 cidades do Estado de São Paulo, não acatou o pedido de indenização de uma professora que alegou ter sido informada que seu contrato seria suspenso por meio do aplicativo. A educadora pediu o recebimento de salários e verbas rescisórias referentes ao período do desligamento até a data de entrada com a ação. A juíza Hila Hemitério, da 18ª Turma do TRT-2, não observou irregularidades na conduta da empresa.
“É muito importante que nós analisemos que os dois casos têm particularidades que justificam as decisões diferentes. No caso da professora, a empresa a avisou sobre a baixa do contrato, que posteriormente ocorreu, e em nenhum momento foi desrespeitosa ou abusiva. Já no caso da empregada doméstica, o fator ponderante não foi o uso da ferramenta de conversa, mas o conteúdo. Foi considerado pelo Tribunal que a mensagem foi ofensiva à dignidade e à honra da profissional. E ainda houve o agravante da acusação de falsificação da assinatura, o que certamente foi fator determinante para robustecer a decisão”, explica Sônia.
O portal Extra trouxe parte do registro do Tribunal Regional no caso da empregada. Nele, foi considerado que regras de cortesia e consideração referentes a uma relação de trabalho foram ignoradas. “Não se questiona a privacidade ou a segurança do meio de comunicação utilizado, mas o modo como o empregador comunicou a cessação do vínculo de emprego à trabalhadora”, diz o registro.
Além disso, de acordo com a advogada trabalhista, o fator ‘pandemia’ dá ainda mais sustentação para que plataformas como o WhatsApp possam ser utilizadas na realização de dispensas. Entretanto, os empregadores precisam ter bom senso caso o façam.
“Hoje, é cada vez mais natural a comunicação entre empregador e empregado por meio dos aplicativos. Com a digitalização dos processos e com o trabalho a distância motivado pela pandemia, existe normalização e aceitação da prática. Não há na lei um regulamentador que especifique por onde as demissões devem ser feitas. A demissão remota não é proibida. O peso está na circunstância. O que não pode ser feito é ofender ou discriminar”, elucida.
É recomendável dispensar remotamente?
Embora, como explicou Sônia, a demissão remota não seja proibida, ao mesmo tempo o recurso não é o mais recomendável. “Pondero que as empresas tenham atenção. Se, por exemplo, o WhatsApp nunca foi utilizado para nenhuma comunicação entre RH ou liderança e empregado, se não é uma ferramenta que a empresa ou o colaborador costuma usar, talvez não seja o ideal ‘estreá-la’ logo numa demissão. Um transtorno desnecessário pode e tende a ser causado”.
A advogada levanta, também, que a organização pode ter sua imagem manchada. Em época na qual temas como atração e retenção de talentos e humanização de processos estão em alta, ações tão impessoais como uma dispensa por redes sociais pode causar mal-estar interno e incomodar outros colaboradores.
“A demissão é um momento delicado. Ninguém gosta de passar por isso. É importante que as empresas, os patrões e as patroas, tenham cuidado. Recomendo que a conversa seja presencial e, se não for possível, que pelo menos seja por videochamada. Demitir por WhatsApp, Telegram ou semelhante dá uma sensação de ausência de preocupação com o bem-estar da pessoa, sem contar o negativo fator surpresa. É incômodo. Reforço que, mesmo que não haja impedimento legal para demitir por aplicativo de conversa, as empresas não o façam, para que assim evitem futuros transtornos e processos. As decisões judiciais podem ser subjetivas. Se o patrão não tivesse acusado a empregada de falsificar a assinatura, ainda assim a mensagem de demissão poderia ter sido considerada, por si só, ofensa à dignidade. Assim como poderia não ter sido. Não é preciso correr riscos desnecessários”, finaliza Sônia.
Fonte: Rh pra Você
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