Autismo e mercado de trabalho
De acordo com dados do IBGE, a inclusão da população com autismo no mercado de trabalho ainda enfrenta obstáculos que precisam ser superados. Os números revelam que 85% dos adultos com TEA (Transtorno do Espectro Autista) não estão empregados. “Não basta apenas contratar para ‘seguir a lei’, é preciso proporcionar condições ideais de trabalho, de acordo com as características de cada indivíduo, adequando o local e o modo de atuação e minimizando qualquer dificuldade”, avalia a dra. Tatiana Viola de Queiroz, advogada especializada em Saúde e em Transtorno do Espectro Autista.
“Por exemplo, pessoas com autismo se incomodam muito com barulho, pois algumas delas têm hipersensibilidade auditiva. Logo, a empresa deve pensar em um local de trabalho calmo e sem agitação para esses profissionais”, explica a advogada.
Além disso, é fundamental preparar a equipe para acolher e receber esse novo profissional, fornecendo as informações necessárias para que os funcionários conheçam mais sobre o TEA. “É preciso também ressaltar a necessidade do respeito às possíveis situações de dificuldade de expressão, comunicação, entre outras. Ou seja, cabe à empresa criar e conscientizar a equipe para que o ambiente de trabalho seja um local inclusivo”, pontua Tatiana.
Para Daniela, ao conhecer as dificuldades deste público, gestores e colegas de trabalho se tornam mais compreensivos e colaborativos em relação aos maiores desafios daquela pessoa e podem fazer ajustes necessários para melhor execução ou desempenho ocupacional. “Ao tomar conhecimento de suas habilidades, essas pessoas podem ser direcionadas para áreas e funções específicas e que certamente poderão desempenhar de maneira muito eficiente e muitas vezes acima da média de pessoas neurotípicas”, diz.
De acordo com a coordenadora do ambulatório de autismo da Unifesp, a inserção no mercado de trabalho é um fator essencial para que pessoas com TEA “tenham ampliada a qualidade de vida e satisfação pessoal, diminuindo assim as taxas de depressão, ansiedade e ideação suicida tão frequentes nessa população”.
Para que a inserção aconteça de maneira saudável para todos, novamente o conhecimento é o cuidado primordial. “Como existe uma diversidade de fatores pessoais já descritos na literatura, é preciso que o gestor compreenda as características comportamentais da pessoa, suas limitações, assim como suas habilidades, de modo a inseri-la em tarefas que estejam alinhadas com esses pontos. Esse tipo de conhecimento exige preparo também do gestor contratante e, com ele, é possível vencer uma importante barreira na inserção da pessoa com TEA no mercado de trabalho”, explica Daniela. Um bom profissional de apoio, treinado, que faça a mediação entre esse profissional e a equipe pode ajudar em muito no processo de inclusão.
Vale destacar, também, que a Lei Berenice Piana, de 2012, garante a inclusão da população autista no mercado de trabalho. O texto que, segundo o portal Autismo e Realidade, ajudou no reconhecimento do autismo como deficiência, estabelece como uma das diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista o “estímulo à inserção de pessoas com transtorno do espectro autista no mercado de trabalho”, além de determinar que as escolas incluam acompanhante especializado nas classes.
Daniela Bordini recorda que o processo de inclusão é algo contínuo e sem prazo fixo de conclusão, “o que significa que a empresa deve realizar ações constantes para que tanto a pessoa contratada quanto outras pessoas ao redor se sintam bem e confortáveis, com ambos aprendendo a se relacionarem, incluindo as formas mais eficazes de comunicação. E claro, sempre valorizando as habilidades, as necessidades específicas e respeitando as limitações”.
Pais de autistas têm direito a redução na carga de trabalho
Nem todos sabem, mas os pais e responsáveis por pessoas com TEA que trabalham para o governo federal têm o direito a carga de trabalho reduzida para acompanhar o filho com autismo em terapias ou outros tipos de acompanhamentos médicos.
“A Lei 13.370/2016 reduz a jornada de trabalho dos pais de filhos com TEA para os funcionários públicos federais. Não há legislação específica para os funcionários das demais esferas administrativas nem para o setor privado. No entanto, para os funcionários públicos municipais e estaduais é possível solicitar a redução da jornada por meio de um requerimento administrativo junto ao órgão gestor, apresentando a comprovação das necessidades do dependente e, por analogia à Lei Federal, solicitar a redução. Se administrativamente não for oferecida a redução, o funcionário pode acionar o Judiciário”, orienta a Dra. Tatiana.
Já para os trabalhadores do setor privado, é preciso verificar com o setor de RH da empresa a possibilidade desse benefício. “Ainda não há consenso no Judiciário sobre essa questão. De tal forma, ficará a critério de cada juiz decidir se cabe ao setor privado essa redução ou não. Então, sempre converse com o RH e também questione o sindicato do seu setor, para saber se há disposição na convenção coletiva sobre esse ponto”, salienta a especialista.
Incluir para inovar
No país, autistas integram o grupo dos PCDs (Pessoas com Deficiência), 45,6 milhões de brasileiros que possuem algum tipo de deficiência física, mental ou múltipla, de acordo com dados do IBGE. Parte dessa população é economicamente ativa e apta para o trabalho, mas carece de oportunidades que desenvolvam suas habilidades profissionais. “Todos nós somos diferentes e únicos no nosso jeito de ser e você é lembrado pelas suas características e ações, o que é importante”, compartilha Julie Goldchmit (foto abaixo), assistente de marketing da Unilever e autora do livro ‘Imperfeitos: Um relato íntimo de como a inclusão e a diversidade podem transformar vidas e impactar o mercado de trabalho’.
Julie faz parte do grupo de pessoas com o transtorno do espectro autista e, para ela, “em uma organização, em que o dia a dia é voltado para metas e prazos, ter uma pessoa que conversa de forma espontânea como a minha e que reúne pessoas de várias posições hierárquicas torna o clima mais leve e empático”. Embaixadora da inclusão da Unilever, ela deixa cinco dicas importantes para as empresas se tornarem mais diversas, inclusivas e gerarem inovação no ambiente de trabalho.
1 – Reconhecer, respeitar e valorizar as diferenças entre as pessoas
Incluir pessoas com deficiência no mercado de trabalho tende a contribuir para eliminar a discriminação. A presença de pessoas com deficiência deixa ainda mais evidente os preconceitos e barreiras arquitetônicas, comunicacionais, tecnológicas, metodológicas e atitudinais existentes no ambiente corporativo, gerando debates e incentivando melhorias nesses espaços. Além disso, também ajuda a desmistificar a mentalidade de que uma pessoa com deficiência não é capaz de trabalhar.
2 – Acolher a diversidade de forma permanente
Não adianta apenas abrir vagas, é necessário que as empresas realmente ofereçam um ambiente saudável para o crescimento profissional. PCDs não querem apenas entrar nas empresas… assim como qualquer outro funcionário, almejam oportunidades, promoções e desenvolvimento dentro desse emprego. Programas de cooperação desenvolvem habilidades e o reconhecimento precisa acontecer, através do alavancamento de carreira dentro das corporações.
3 – Garantir que todos possam ter as mesmas oportunidades e condições de desenvolvimento
O primeiro ponto de atenção é conhecer a fundo as práticas inclusivas que ajudam a proporcionar ambientes de trabalho mais acolhedores. Também é primordial que as empresas tenham um núcleo de inclusão, uma área que saiba olhar a pessoa de forma integral, enxergando suas habilidades e adaptando, quando houver necessidade, processos e atividades que serão realizadas pela pessoa com deficiência.
As empresas precisam mapear todas as barreiras e removê-las, tornando o cotidiano corporativo um ambiente propício para a produtividade e o crescimento profissional.
4 – Ter líderes treinados e que promovem o respeito ao próximo
Um dos desafios da gestão, principalmente na promoção da inclusão e diversidade, é ter líderes preparados para gerenciar conflitos e opiniões controversas, que tenham uma comunicação clara que seja entendida por todos e que dediquem seu tempo a ensinar e orientar aqueles que têm dificuldade.
Líderes que observam a necessidade de cada profissional, valorizam e reconhecem suas habilidades, acompanham o dia a dia desse colaborador e extraem o melhor dele.
5 – Rever processos de recrutamento e seleção
Não basta oferecer a vaga, é necessário que as empresas tenham consciência de inclusão e de como isso vai impactar positivamente suas rotinas. O setor de recrutamento e seleção precisa encarar a contratação desses colaboradores como oportunidade de encontrar várias respostas para uma mesma pergunta, soluções e ideias novas, baseada em vivências e visões de mundo diferentes, que contribuem significativamente na hora de tomar decisões, resolver dilemas e inovar um produto ou serviço.
Fonte: RH pra Você
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